A Big Farma sempre se fez presente lá em casa. Nasci de cesárea e muita droga para grávida minha mãe tomou e tomei também um monte de remédio e meu pai bebia café, aguardente e fumava charuto sem parar e eu falava sem parar que a casa era um enorme cinzeiro, cheio de cinza pra todo lado e para piorar a empregada era negra e obrigada a limpar toda aquela merda. Por pouco, não me deram um nome de cachaça. Maconha nunca fumei, nem um trago. Só o cheiro já me enjoa de longe. Tenho certo medo daquele povo. Rapé prefiro bem mais. Gosto também do chá do cipó das almas, de alfarroba e de chocolate Lindt. Vi muita tevê esses tempos e me falta traquejo social. Novo normal. Bebo refrigerante desde os dois anos de idade, já sei escrever meu nome sem titubear e meu vocabulário melhora a cada dia. Ao menos foi o que disse o psicomotricista da semana passada. Sou um artista. Maldito corretor! Eu quis dizer que sou um artista. Afe, máquina irritante, eu sou um artista. Hm... Vamos ficar só com a parte então em que eu falo das drogas, deixando de lado a que tento falar sobre artismo (corretor doentio! mais maluco que eu!). Tomei LSD pela primeira vez aos oito anos, numa tatuagem que vinha numa bala que eu comprava na escola. Disseram que foram os comunistas que implantaram LSD nas tatuagens e eu já era amigo de três deles e posso garantir que nenhum dos acusados era de fato um bicho-grilo. Me pareceu mais o contrário; eles estavam bem preocupados em como se organizar, como organizar isso e aquilo, como organizar o partido, partir o organizado, ligar e separar, etc.
Agora já não tenho mais tempo para esses velhos amigos. Metade foi preso, a outra metade ainda espera. O mais criativo são as acusações: estelionato, desacato, passagem ao ato e outros acordes dissonantes… Tudo gente boa querendo coisa boa pra gente toda, mas tudo também meio sonhador, sem noção do perigo, achando que se tá aí pra coisas boas nessa vida, afe, cansei... Meu lance tem sido mais o de matar aula. Faço isso umas três a quatro vezes por semana e já sei como economizar a grana do meu pai e depois meter um processo naquele professor novato, louco e inseguro pra ver se ele me passa um trabalho no qual eu só precise escrever meu nome (aprendi com os broda).
Bem, estou cansado de falar de mim, então vamos falar dessas coisas que estão aqui. Deixa eu ver... Não... Não... Ah, sim. Bem, essa aqui tem o lance que... Ah, sim, meu próprio cigarro! Sim! Deixa só contar essa. Decidi um dia que iria ter meu próprio cigarro e daí a Luzia chegou e disse bem que eu estava mentindo e que meu pai nem tinha dinheiro nenhum do mundo pra me fazer de presente, que só se eu roubasse. Daí bem falei pra ela assim: "cocada é uma parada, quem manda na minha bocada é tricotada". Primeiro ela riu muito. Depois me agarrou pela sobrancelha, meteu os dentes no meu nariz e gritou pra nunca mais falar uma titica dessas. Por isso que leio Crumb. E olha que eu só queria puxar assunto pra pedir um Trident que eu vi que ela tava guardando junto ali com a cigarreira dela. Agora fico eu e este bafo horroroso de glutamato vencido...
A lição é indiscutível: quem tá sem não tem também.
Escrito por Victoria Turk, publicado em Motherboard e traduzido por Sandro Rodrigues
Desde o apogeu
da contracultura dos anos 1960, o LSD tem sido intimamente associado à música.
Mas não são somente as tendências artísticas que os associam: pesquisadores
descobriram que ouvir música pode de fato afetar a experiência com LSD em um
nível neurológico – e eles possuem mapeamentos cerebrais para apoiar essa
ideia.
Mendel Kaelen,
que está realizando seu PhD em neurociências na Imperial College, conduziu
diversos estudos que investigam a influência combinada de música e drogas
psicodélicas em estudos com humanos. Um dos desafios? A escolha da música.
Em estudos
recentes, tem sido responsabilidade de Kaelen (dentre outras coisas) conceber a
lista de reprodução perfeita para uma viagem psicodélica cientificamente
conduzida de acordo com rigorosos requisitos de pesquisa – uma tarefa que
requer tanto uma sensibilidade criativa quanto um respeito pelo rigoroso quadro
de procedimentos científicos.
Ele explicou
que a necessidade de incluir música nesses estudos é confirmada diretamente
pelo crescente interesse em estudar drogas psicodélicas e determinar como elas
poderiam ser usadas em terapia: um dos principais objetivos da equipe do
Imperial College com estas substâncias é explorar como elas poderiam ser
utilizadas para ajudar a tratar transtornos mentais como a depressão.
Mendel Kaelen. Por Mendel Kaelen.
A ideia de
incorporar música na terapia psicodélica não é nova; foi um ponto de grande
interesse para musicoterapeutas na década de 1960. Mas Kaelen está tentando
fundamentá-la numa estrutura científica sólida.
"Se você
olhar para estes ensaios clínicos agora, todos eles, sem exceção, usam a música
como parte do modelo de terapia", disse ele em uma entrevista por
telefone. "Se a música desempenha um papel tão importante no método
terapêutico, é preciso fazer muitas perguntas científicas importantes
relacionadas a isso, a fim de realmente fazer avançar o campo - para assegurar
de que realmente temos uma compreensão empírica do papel da música no trabalho
terapêutico".
Falei com
Kaelen sobre sua pesquisa acerca dos efeitos da música na experiência
psicodélica (e vice-versa), sobre como isso poderia contribuir para o uso
terapêutico dessas substâncias e, o mais importante, como ele seleciona músicas
para tais situações incomuns.
* * *
Antes que
possamos imaginar terapeutas dando LSD e um par de fones-de-ouvido para
pacientes, é importante estabelecermos alguns fatos básicos sobre os efeitos
combinados de música com psicodélicos. Em um estudo piloto, publicado ano
passado na revista Psychopharmacology,
Kaelen e seus colegas de pesquisa voltaram ao básico e testaram uma hipótese
simples, inspirada na psicoterapia dos anos 1950 e 1960: o uso de psicodélicos
intensifica a resposta emocional à música?
No estudo, dez
voluntários ouviram cinco faixas instrumentais em duas ocasiões. Na primeira,
eles receberam um placebo; na segunda, foi-lhes dado o LSD.
Mas qual
música é apropriada para avaliar as respostas emocionais ao ácido? Os
participantes ouviram duas listas de reprodução diferentes, cuja “potência
emocional” foi equilibrada com base em avaliações anteriores de um grupo
separado de pessoas. As faixas selecionadas estavam entre aquelas consideradas
mais simpáticas e menos familiares – Kaelen explicou que a familiaridade de uma
faixa poderia influenciar a resposta emocional das pessoas: “se a música for
muito familiar, isso pode reduzir a possibilidade de se ter uma experiência
nova, uma vez que você já teve experiência com essa canção antes em sua vida”.
Ambas as
listas resultantes incluem faixas neo-clássicas e de ambient music, dos artistas Brian McBride, Ólafur Arnalds, Arve
Henriksen e Greg Haines. Kaelen disse que Haines, um compositor britânico, foi uma
escolha popular – ele tem utilizado suas faixas em vários estudos: “sua música
simplesmente foi apontada por vezes e vezes como favorita”.
Os
participantes do estudo em resposta emocional foram solicitados a classificar,
em uma escala de 1 a 100, o quão emocionalmente afetados eles foram pelas
músicas ouvidas, além de preencherem um questionário conhecido como GEMS-9,
que os solicitava a dar uma nota para diferentes tipos de resposta emocional à
música, tais como tranquilidade ou tensão. Os pesquisadores constataram que os
participantes relatavam uma resposta emocional à música significativamente mais
elevada quando eles ingeriam LSD e que as emoções relacionadas à “maravilha”,
“transcendência”, “ternura” e “poder” foram particularmente aumentadas.
O
gráfico mostra as classificações médias para diferentes emoções evocadas pela
música quando sob efeito do placebo e do LSD. Eles marcaram cada emoção maior
com o LSD. Imagem: M. Karlen et al, Psychopharmacology.
Eles concluem
que sua descoberta "reforça a suposição de longa data de que a música
assume uma qualidade e um significado intensificados sob a influência de drogas
psicodélicas" e que isso poderia ser útil para aplicações terapêuticas. Eles
acrescentam que, muitas vezes, os sentimentos de transcendência e maravilha são
avaliados como favorecedores de experiências "espirituais" e que,
portanto, a combinação de música com LSD pode provocar este tipo de viagem.
* * *
A experiência
subjetiva dos participantes tem valor, mas Kaelen e seus colegas usaram também estudos
de neuroimagem para explorar a relação entre música e LSD no cérebro.
Na sequência
do estudo-piloto, Kaelen se envolveu com um estudo inovador que utilizou
rastreamentos fMRI e MEG para mapear pela primeira vez o cérebro sob efeito de LSD.
Vinte voluntários foram injetados com 75 microgramas de LSD (e, em outra
ocasião, um placebo) e tiveram seus cérebros escaneados. A pesquisa favoreceu insights sobre alucinações visuais e
mudanças na consciência associados com viagens psicodélicas.
Durante este
mesmo estudo, os participantes passaram por períodos de silêncio e períodos de audição
musical, enquanto estavam no scanner fMRI. Em seguida, respondiam a perguntas
sobre seu humor e qualquer experiência visual que eles experimentassem (eles ficavam
de olhos fechados). Os pesquisadores descobriram uma ligação entre a música e o
tipo de visões das pessoas quando sob efeito de LSD.
O estudo,
publicado no European Neuropsychopharmacology,
descobriu que o fluxo de informação entre o córtex parahipocampal - que tem
sido ligado à memória - e o córtex visual foi reduzido sob LSD. Mas, com a
música, a comunicação entre essas duas áreas aumentou.
As zonas em amarelo aumentaram a ligação com o
parahipocampo. Atinge o máximo com LSD e música, em seguida LSD sem música e,
por fim, placebo com música. Imagem: M. Kaelen et al, European
Neuropsychopharmacology.
É importante
indicar que a magnitude deste efeito está correlacionada com pessoas que relataram
visões mais complexas, em particular, imagens autobiográficas por natureza.
“Muitas vezes,
as pessoas tem vívidas imagens de olhos fechados onde estão interagindo – não é
como se estivessem olhando para uma tela onde vissem imagens divertidas, mas há
alguma interação pessoal com as imagens”, disse Kaelen.
A natureza
pessoal da experiência psicodélica torna difícil escolher uma trilha sonora.
"Isso foi, na verdade, uma coisa muito desafiadora, pois todos nós temos
diferentes preferências musicais, é claro", disse Kaelen. Eles não podiam
permitir que as pessoas trouxessem sua própria música, uma vez que eles
precisavam de práticas padronizadas a fim de obter dados científicos limpos.
Kaelen iniciou
selecionando uma lista de músicas que foi então colocada em um grupo separado
para ter seu impacto emocional avaliado. "Inicialmente eu queria trabalhar
com música neoclássica emocionalmente muito forte, mas considerando o ambiente
desafiador onde as pessoas estão, dentro do scanner fMRI, eu realmente pensei
que talvez não seria uma boa ideia expor as pessoas a um meio ambiente realmente
intenso", explicou. "Eu acabei selecionando músicas que possuem uma
atmosfera geral muito relaxante e positiva – principalmente música de um
artista de ambient music chamado
Robert Rich."
Kaelen acabou
selecionando dois trechos de sete minutos, de músicas de Robert Rich e Lisa
Moskow, de seu trabalho colaborativo de 1995, o álbum Yearning. Ele descreveu as faixas como calmantes com cordas
melódicas (Moskow toca um sarod, instrumento indiano semelhante a um sitar). "Havia
ali um monte de instrumentos bem típicos da ambient
music – como um sintetizador, uma flauta – mas havia também um instrumento
com uma linha melódica clara que as pessoas podem seguir", disse ele.
Kaelen disse
que o trabalho de Rich foi realmente uma das razões pelas quais ele foi atraído
para explorar os efeitos da música em sua pesquisa. "Robert Rich é
incrível, porque ele realmente começou a fazer música com a ideia de que esta
pode ser uma forma muito potente para induzir e também orientar os estados
alterados", disse ele, referindo-se aos "sleep concerts” (concertos do
sono), onde ele tocava para um público sonolento.
Reprodução de
música em um scanner de ressonância magnética oferece seus próprios desafios,
mesmo que os sujeitos não estejam sob efeito de LSD. Os pesquisadores usaram
fones especiais (sem bobina magnética), compatíveis com o scanner de
ressonância magnética, para tentar manter uma qualidade de som decente, em meio
aos zumbidos da máquina. Enquanto algumas poucas pessoas não gostaram da
música, Kaelen disse que a maioria as recebeu bem, como uma alternativa mais “calorosa”
que o ruído do scanner.
* * *
Embora esses
estudos tenham lançado luz sobre os efeitos da música e do LSD, quando
experimentados em combinação, uma força motriz da pesquisa da equipe do
Imperial College é explorar como os psicodélicos poderiam ser usados em um
contexto terapêutico. A pesquisa mostrou que, utilizadas sob a orientação de um
terapeuta,
estas drogas poderiam ser úteis no tratamento de doenças tais como a depressão, a ansiedade e a dependência. Kaelen está interessado em
como a música pode ajudar.
A ideia básica
tem suas raízes na terapia psicodélica nos anos 60, antes que essas drogas tenham
se tornado ilegais e, portanto, mais difíceis de trabalhar.
"As
pessoas começaram a perceber que não é a droga em si que proporciona um efeito
terapêutico; é a experiência que a droga é capaz de produzir em interação com o
terapeuta, com o meio ambiente, que tem esse potencial", explicou Kaelen.
"Indo além dessa concepção, as pessoas basicamente começaram a
experimentar com diferentes formas de como projetar a experiência; como se
certificar de que as pessoas têm uma experiência realmente terapêutica".
A
música foi logo reconhecida como um meio de ajudar a
fornecer alguma estrutura para a experiência.
Recentemente,
Kaelen estava envolvido em um ensaio clínico com administração de psilocibina –
o composto psicodélico presente nos "cogumelos mágicos" – para
pacientes com depressão resistente ao tratamento (os resultados ainda não foram
publicados). O estudo ocorreu em um quarto de hospital decorado para parecer menos
clínico e assustador – Kaelen observou que um quarto de hospital estéril era
provavelmente "um dos piores lugares para se tomar uma droga psicodélica".
Quarto original / quarto adaptado. Imagem: Mendel Kaelen
Compilar uma
lista de reprodução para este estudo foi muito mais desafiador, uma vez que era
preciso obter uma trilha sonora para alimentar o ambiente terapêutico por cerca
de seis horas, ao contrário dos poucos minutos no estudo de imagem do cérebro. Os
sujeitos poderiam tanto ouvir através do sistema de som na sala ou através de
fones de ouvido, mas a música ficava sempre ligada.
Kaelen disse que
sua lista foi parcialmente inspirada pelo trabalho de pesquisadores anteriores,
como a musicoterapeuta Helen Bonny, que desenvolveu, na década de 1960, um
método chamado “Imaginação e Música Guiadas (GIM)”,
para ajudar a explorar estados de consciência num contexto terapêutico.
Ele projetou sua
lista de reprodução para refletir a mudança experimentada pelo uso da
substância, desde o início dos efeitos da psilocibina até o pico da experiência
e, em seguida, o retorno. "Para todas estas diferentes fases dentro da
lista de reprodução, necessidades diferentes existem para serem cumpridas e a
música pode ajudar com elas", disse Kaelen.
Por exemplo,
muitas pessoas ficam naturalmente nervosas antes que a droga produza efeitos, então
Kaelen selecionou músicas que pudessem ser calmantes e reconfortantes. Durante
a chegada dos efeitos da substância, a música torna-se mais ritmada e, durante
o pico do efeito da droga, que dura algumas horas, a música oscila entre
diferentes intensidades emocionais, no que Kaelen chamado de efeito de pêndulo.
"Não seria
bom para as pessoas serem constantemente expostas à música muito emocional; é
preciso haver um momento em que o indivíduo é capaz também de refletir sobre a
experiência", explicou.
Kaelen disse que
levou meses para selecionar e misturar faixas para o ensaio, que ele tirou de
sua própria biblioteca, bem como de recomendações presentes na obra de Bonny. Ele
ficou longe das faixas mais clássicas ou cristãs, tal como ele disse ser
importante que a música refletisse os momentos e não tivesse conotações de
nenhuma religião específica. Kaelen compõe sua própria música eletrônica
experimental, por isso foi capaz de misturar as faixas e adaptar a
espacialização e o volume de acordo com a experiência que queria coreografar.
Ele não podia
compartilhar toda sua lista de reprodução para o estudo, para que pudesse usá-la
em outros estudos, sem arriscar que as pessoas se tornassem muito familiarizadas
com uma música específica. No entanto, ele compartilhou algumas faixas:
"Against the Sky", de Brian Eno e Harold Budd, caracterizando a fase
de entrada como uma faixa calmante; "Sostenuto tranquillo ma
cantabile", do músico erudito contemporâneo Henryk Górecki, é tocada na
ascenção para o pico e é, de acordo com Kaelen, a primeira peça "emocionalmente
evocativa"; e Greg Haines faz uma aparição com "183 Times" – música
também utilizada no estudo piloto, para explorar o realce emocional durante a
fase de pico.
Para demonstrar
o efeito da música, Kaelen compartilhou comigo algumas experiências de pacientes.
Em resposta a "183 Times," um paciente disse que era "O pico da
experiência, a faixa que parecia resumir toda a experiência. Movendo-se para
além das palavras, ela acompanhou a parte mais forte da viagem interior.
Surpreendente!".
Outro
compartilhou, "Essa música me fez chorar muito. Foi muito triste e bonito,
chorar durante essa música sentida como uma liberação emocional, liberação de
tristeza e maus sentimentos em relação a mim mesmo. Isso me fez pensar nas
batalhas que tive que enfrentar na vida, sendo pressionado. No final desta
canção me senti limpo e melhor e senti compaixão por mim mesmo".
Em última
análise, Kaelen disse, algumas pessoas se ligaram muito bem com a música, e
outros não.
"A seleção
das músicas foi realmente muito difícil, porque a cada música considerada, fiz-me
a pergunta: ‘Eu acho que essa música funciona para o paciente, porque funciona
para mim, ou a canção funciona para o paciente porque traz consigo uma mensagem
universal, que é intrínseca à própria música? '", Disse Kaelen.
Não há realmente
uma ciência disso – pelo menos, não ainda.
"Para ser
honesto contigo, quando comecei a fazer isso, também senti a enorme
responsabilidade que a concepção de uma lista de reprodução de música como esta
traz, porque as pessoas serão incrivelmente influenciadas por ela",
admitiu.
Uma lição
importante que Kaelen tirou do estudo é que, enquanto ele ainda acredita, por
um lado, que há alguma universalidade na música, por outro, constata ser
impossível fazer uma lista padronizada adequada para todos. Ele sugere que, no
futuro, o terapeuta deva encontrar algum modo de adaptar a música para as
necessidades singulares de seus pacientes. Seguindo adiante, isso é algo no
qual ele vem trabalhando.
Ele enfatizou
que o aspecto mais importante do uso terapêutico de psicodélicos reside em
estabelecer um relacionamento forte entre paciente e terapeuta.
"A música,
em essência, está lá sempre e somente a serviço do processo terapêutico
central; que é apoiar a jornada de olhos fechados altamente pessoal que se
desenrola ao longo das horas", disse ele.
Em novembro de 2014, foi realizado no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ) o Primeiro Seminário sobre Psicodélicos do Rio de Janeiro, com a participação de pesquisadores, ativistas, estudantes e profissionais do campo das drogas tornadas ilícitas pelo proibicionismo. Organizado pelos psicólogos ativistas Fernando Beserra e Sandro Rodrigues, o evento foi motivado por notícias alarmantes na mídia e seus reflexos clínico-políticos na sociedade.
A abertura do evento contou com a presença de professores do ISERJ, dentre os quais o próprio Fernando Beserra. A primeira mesa temática, Psicodélicos e Redução de Danos, teve a presença do músico e psicólogo Sandro Rodrigues, do cientista social e redutor de danos Tiago Coutinho e dos fotógrafos do site Mundo Cogumelo, Rafael Beraldo e Danyel Sylvestre, tendo sido mediada pelo cientista social e redutor de danos Dênis Petuco. Na mesa da tarde, Psicodélicos e políticas de drogas, estiveram presentes o psicólogo Fernando Beserra, o integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (FEDDH-RJ), Rodrigo Mattei, e o vereador Renato Cinco (PSOL-RJ), com mediação de uma organizadora da Ala Feminista da Marcha da Maconha do Rio de Janeiro, a historiadora Thamires Regina.
Tendo por objetivos a fixação de um documento histórico acerca do Seminário, pioneiro no Estado, assim como a elaboração de um material introdutório sobre a experiência humana com fármacos psicodélicos, os pesquisadores Sandro Rodrigues e Fernando Beserra elaboraram o artigo científico Drogas pesadas em Discussão no Primeiro Seminário sobre Psicodélicos do Rio de Janeiro, com base na organização e em debates levantados pelo Seminário. O artigo acaba de ser publicado numa edição sobre proibicionismo e antiproibicionismo da Revista Argumentum (UFES), que conta também com debates e artigos de companheiras e companheiros na luta antiproibicionista, como a Rita Cavalcanti, a Juliana Batistuta, o Francisco Inácio Bastos, a Isabela Bentes, a Luciana Boiteux, o Pablo Ornelas, etc.
É com uma enorme satisfação que disponibilizamos o artigo para ampla divulgação.
Espero que apreciem a leitura como uma boa viagem (nossas vitórias não serão por acidente)!
Sem retorno. Dois acordes apenas pra chegar no refrão, a garganta seca parecendo soprar um tufão de areia fina por sobre a língua e um engasgo insinuante. Por meio segundo, o palato superior sedimenta,
como houvesse lá hóstia grudada. Suor jorrando pelos cílios e visíveis somente luzes brilhando alternadas. Algodão no ouvido não foi lá ideia boa. Tudo soando meio
final de 2001, só que num calor delirante dos trópicos. A blusa completamente encharcada contrastando com lábios muito ressecados acabam exigindo também
todo um trabalho especial da respiração e daí foco até se
perde, com atenção sem o timing no deslize do dedo médio por
sobre os devidos trastes, antes que os outros três pousem pra formar o acorde seguinte. Mas não, o médio se arrasta viscoso no caminho, parando por conta própria
uma casa abaixo, ou - dizendo diferente - uma casa antes. De todo modo, o
dedo vai sangrar, isso não tem jeito, mas durante o tempo mesmo
de notar o semiton da guitarra, pigarro
fanfarrão impede tomada necessária de ar e a voz, refrão,
eis que não sai. Acorde seguinte também se equivoca e agora palavras em geral
tão virginais, lívidas, ilibadas e candentes, elas tão centrípetas findam se esquivando por entre territórios da percepção e memória. A sétima é
menor? É a parte da luva
ou da trégua? Já
cantei a da luva? Não
lembro. Será que respiro rápido pra entrar em anacruze? A treva, tão seleeeeta. Caralho,
não era treva, era trégua. Aliás, que porra de letra é essa? Que eu tinha na cabeç... Ih, agora! O que mesmo? Ah tá. Pronto. Sol maior. Fechou. Um aplauso. Escorro o suor com a palheta e agradeço, sem saber se minha voz apenas não saiu ou se não havia mais som no microfone.
É com uma satisfação incomensurável que aqui partilho o fruto mais que especial destes últimos quatro anos de pesquisa de doutorado, sob orientação do professor doutor Eduardo Henrique Passos, a quem agradeço em especial pelo primoroso trabalho de tornar partilhável um tipo de experiência que não tem encontrado muito lugar em nossa academia. Trata-se da tese Modulações de sentidos na experiência psicotrópica, defendida em 27 de agosto de 2014 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense. A composição multidisciplinar da banca de defesa dá o tom transdisciplinar da pesquisa, validada pelas psicólogas Analice Palombini (UFRGS) e Silvia Tedesco (UFF), pelo filósofo Auterives Maciel Jr. (PUC/RJ) e pelo historiador Henrique Soares Carneiro (USP). Cada participante da banca deu especial atenção e destaque a características mais próximas de suas implicações com a(s) temática(s), embora não tenham se limitado a considerações estanques, ou monodisciplinares, tendo toda banca destacado o rigor e a qualidade textual do trabalho. Analice, integrante do coletivo de pesquisa GAM (Gestão Autônoma da Medicação), junto ao qual minha tese foi desenvolvida, contribuiu não apenas com destaques relativos às questões de interesse principal da GAM, como também em relação à questão da escrita, da política da narratividade adotada, algo também destacado pela Silvia, cujas pesquisas estão focadas tanto nas relações entre literatura e produção de subjetividade quanto na clínica voltada a usuários de psicotrópicos proscritos. Auterives, sempre atento ao que nos força a pensar - em outros termos, ao fora - destacou aspectos da experiência psicodélica como uma experiência de pensamento que coloca na base de toda ação política um modo de pensar, uma cognição, e na base desta uma estética, um modo de sentir. Henrique, historiador que há muitíssimo tempo vem se ocupando da questão da experiência humana com substâncias capazes de alterar a consciência e, portanto, a experiência de si, além de inúmeras contribuições valiosíssimas (a grande maioria já aproveitada na versão oficial da tese que agora partilho), destacou o rigor e o pioneirismo da pesquisa, indicando se tratar de um dos melhores textos já escrito em língua portuguesa acerca da experiência psicodélica. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos à banca, com um agradecimento especial à Analice, cujo texto lido na ocasião da defesa foi incorporado à introdução da tese.
Espero que a tese não somente ajude a pensar questões urgentes quanto a proporcionar uma leitura prazerosa; quiçá uma experiência psicodélica de leitura. Caso tenha atingido tais objetivos, creio que um dos melhores retornos que posso receber agora é o amplo compartilhamento do material, assim como os comentários e críticas que auxiliem a aperfeiçoar a versão a ser futuramente publicada em livro.
O pdf se encontra acessível para consulta e download gratuito no academia.edu e muito em breve também no site do PPG em Psicologia da UFF. Assim que estiver disponível, edito aqui para atualizar.
Agradeço, por fim, a quem tiver lido esta postagem até aqui, com a saudação que me é característica.
Beijos e vinhos!
imagem de akiyoshi kitaoca (disponível em http://www.theguardian.com/science/gallery/2014/aug/05/dizzying-optical-illusions-akiyoshi-kitaoka-pictures)
Na próxima terça-feira, dia 27 de maio, às 19h, na Livraria Argumento, do Leblon (Rua Dias Ferreira, 417), ocorre o lançamento do livroAtendendo na Guerra: dilemas médicos e jurídicos sobre o "crack", publicação da editora Revan e do Instituto Carioca de Criminologia. O livro, organizado por Vera Malaguti Batista e Lucília Elias Lopes, pretende adentrar no front da guerra às drogas que insiste em dominar nosso território há mais de quarenta anos e, para isso, conta também com textos de Alexandre Moura Dumans, Bernardo Gama Cruz, Eduardo Passos, Francisco Inácio Bastos, Iacã Macerata, Maria Lúcia Karam, Nilo Batista, Rafael Dias, Salo de Carvalho e Sandro Eduardo Rodrigues.
Contribuí com o texto Experiências psicotrópicas proscritas: o fora-eixo, sobre minha participação em um projeto multicêntrico de pesquisa - envolvendo UFF, UFRGS, UFRJ, UNICAMP e Université de Montréal - conhecido como Gestão Autônoma da Medicação (GAM). A GAM é uma nova abordagem em saúde mental surgida em Quèbec, no Canadá, ao longo dos anos 1990, visando ampliar a autonomia dos usuários de medicamentos psiquiátricos na gestão de seu tratamento, pela valorização da experiência vivida. Entre 2011 e 2012, participei de grupos de intervenção com usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, Rio de Janeiro, realizados no intuito de validar a versão brasileira do chamado Guia da Gestão Autônoma da Medicação, ferramenta que, ao longo de 2009 e 2010, havia sido traduzida e adaptada da versão canadense, editada em 2001, no intuito de ajudar a repensar a relação dos usuários com a medicação. Diferente do Canadá, a Reforma Psiquiátrica brasileira não toma a noção de autonomia como independência individual, autogestão, e sim como autonomia no coletivo e do coletivo. Enquanto a GAM canadense não conta com a participação de médicos, configurando-se como uma busca de alternativas ao tratamento farmacológico centrada na iniciativa individual do usuário, na GAM-BR, os médicos são incluídos nas negociações com os usuários acerca do uso de psicotrópicos. A Reforma Psiquiátrica brasileira é uma política de estado, com marco legal na Lei 10.216/01. No Brasil, fazer gestão autônoma da experiência psicotrópica é fazer cogestão, o que envolve a participação ativa de usuários, familiares, profissionais responsáveis pela prescrição, assim como dos próprios pesquisadores. Fui à São Pedro com a tarefa de cuidar do chamado "fora-eixo" da GAM, o que implicava uma abertura sensível a questões não previstas nas categorias de análise previamente acordadas pelo coletivo de pesquisa, mas que, ao longo do processo, tenham se mostrado pertinentes. Para a formulação do problema da experiência psicotrópica, situado além e aquém da divisão jurídico-moral entre drogas lícitas e ilícitas, era preciso por em análise minhas implicações estético-políticas no aqui chamado underground psicodélico, ou seja, certo "submundo" (underground) contracultural regido por manifestações (delos) da mente (psychè). A experiência psicodélica revela a mente de um modo ampliado, o que produz momentaneamente efeitos de inefabilidade (impossibilidade de falar à altura da experiência vivida), de alteração das percepções internas (tempo) e externas (espaço), de perturbação do bom senso, a identidade de sujeitos e objetos, e do senso comum, o bom sentido, a causalidade linear, do passado ao futuro, dissolvendo as fronteiras ilusórias entre dentro e fora na afirmação do aqui e agora. Mas, com o acirramento do clima de combate a tais manifestações estético-políticas, em um ambiente regido pelo paradigma da guerra às drogas, a narrativa vai cada vez mais dando relevo a bad trips que incidem: sobre as experiências de uso de psicotrópicos tornados drogas ilícitas, via proibicionismo; sobre as experiências de uso de psicotrópicos prescritos automaticamente, via medicalização; e sobre a própria experiência de pesquisa, via supressão, em grande parte das publicações científicas, do que a análise institucional francesa chama de "fora-texto", ou seja, falas em geral silenciadas, por sua potência de derrubar paradigmas médico-científicos e jurídico-morais, perturbando ideais de identidade, neutralidade e separação entre sujeito e objeto da experiência. Por fim, apresento um breve percurso da Redução de Danos (RD) no Brasil, passando pela marginalidade, pelo undergound, até sua emergência como paradigma e eixo articulador das políticas públicas para usuários de drogas. Com uma dinâmica de contágio própria do chamado underground junkie, a RD faz com que outsiders passem ao protagonismo nas ações de cuidado, através do trabalho de outreach work, e na formulação de políticas públicas, fazendo com que o "fora" vire eixo e perturbando, assim, as fronteiras entre dentro e fora da clínica e da política. O termo underground perde então sua conotação negativa, como um "submundo", um "mundo inferior". Como resultado parcial de uma pesquisa de doutorado, o texto mostra ainda um recorte bruto e um esboço de análise, desdobrados ao longo da tese, atualmente em processo de finalização para defesa prevista em agosto. Grande parte do artigo foi desenvolvida através de processos de cogestão das ideias, nos quais tiveram lugar especial as boas conversas com Rafael Gil Medeiros, cientista social e redutor de danos, mestre em psicologia social, pesquisador da GAM pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a quem deixo aqui um grande agradecimento e um abraço.
Lembrando, é terça-feira, dia 27 de maio, às 19h, na Livraria Argumento, do Leblon. Esperamos vocês lá!