Escrito por Victoria Turk, publicado em Motherboard e traduzido por Sandro Rodrigues
Desde o apogeu
da contracultura dos anos 1960, o LSD tem sido intimamente associado à música.
Mas não são somente as tendências artísticas que os associam: pesquisadores
descobriram que ouvir música pode de fato afetar a experiência com LSD em um
nível neurológico – e eles possuem mapeamentos cerebrais para apoiar essa
ideia.
Mendel Kaelen,
que está realizando seu PhD em neurociências na Imperial College, conduziu
diversos estudos que investigam a influência combinada de música e drogas
psicodélicas em estudos com humanos. Um dos desafios? A escolha da música.
Em estudos
recentes, tem sido responsabilidade de Kaelen (dentre outras coisas) conceber a
lista de reprodução perfeita para uma viagem psicodélica cientificamente
conduzida de acordo com rigorosos requisitos de pesquisa – uma tarefa que
requer tanto uma sensibilidade criativa quanto um respeito pelo rigoroso quadro
de procedimentos científicos.
Ele explicou
que a necessidade de incluir música nesses estudos é confirmada diretamente
pelo crescente interesse em estudar drogas psicodélicas e determinar como elas
poderiam ser usadas em terapia: um dos principais objetivos da equipe do
Imperial College com estas substâncias é explorar como elas poderiam ser
utilizadas para ajudar a tratar transtornos mentais como a depressão.
Mendel Kaelen. Por Mendel Kaelen.
A ideia de
incorporar música na terapia psicodélica não é nova; foi um ponto de grande
interesse para musicoterapeutas na década de 1960. Mas Kaelen está tentando
fundamentá-la numa estrutura científica sólida.
"Se você
olhar para estes ensaios clínicos agora, todos eles, sem exceção, usam a música
como parte do modelo de terapia", disse ele em uma entrevista por
telefone. "Se a música desempenha um papel tão importante no método
terapêutico, é preciso fazer muitas perguntas científicas importantes
relacionadas a isso, a fim de realmente fazer avançar o campo - para assegurar
de que realmente temos uma compreensão empírica do papel da música no trabalho
terapêutico".
Falei com
Kaelen sobre sua pesquisa acerca dos efeitos da música na experiência
psicodélica (e vice-versa), sobre como isso poderia contribuir para o uso
terapêutico dessas substâncias e, o mais importante, como ele seleciona músicas
para tais situações incomuns.
* * *
Antes que
possamos imaginar terapeutas dando LSD e um par de fones-de-ouvido para
pacientes, é importante estabelecermos alguns fatos básicos sobre os efeitos
combinados de música com psicodélicos. Em um estudo piloto, publicado ano
passado na revista Psychopharmacology,
Kaelen e seus colegas de pesquisa voltaram ao básico e testaram uma hipótese
simples, inspirada na psicoterapia dos anos 1950 e 1960: o uso de psicodélicos
intensifica a resposta emocional à música?
No estudo, dez
voluntários ouviram cinco faixas instrumentais em duas ocasiões. Na primeira,
eles receberam um placebo; na segunda, foi-lhes dado o LSD.
Mas qual
música é apropriada para avaliar as respostas emocionais ao ácido? Os
participantes ouviram duas listas de reprodução diferentes, cuja “potência
emocional” foi equilibrada com base em avaliações anteriores de um grupo
separado de pessoas. As faixas selecionadas estavam entre aquelas consideradas
mais simpáticas e menos familiares – Kaelen explicou que a familiaridade de uma
faixa poderia influenciar a resposta emocional das pessoas: “se a música for
muito familiar, isso pode reduzir a possibilidade de se ter uma experiência
nova, uma vez que você já teve experiência com essa canção antes em sua vida”.
Ambas as
listas resultantes incluem faixas neo-clássicas e de ambient music, dos artistas Brian McBride, Ólafur Arnalds, Arve
Henriksen e Greg Haines. Kaelen disse que Haines, um compositor britânico, foi uma
escolha popular – ele tem utilizado suas faixas em vários estudos: “sua música
simplesmente foi apontada por vezes e vezes como favorita”.
Os
participantes do estudo em resposta emocional foram solicitados a classificar,
em uma escala de 1 a 100, o quão emocionalmente afetados eles foram pelas
músicas ouvidas, além de preencherem um questionário conhecido como GEMS-9,
que os solicitava a dar uma nota para diferentes tipos de resposta emocional à
música, tais como tranquilidade ou tensão. Os pesquisadores constataram que os
participantes relatavam uma resposta emocional à música significativamente mais
elevada quando eles ingeriam LSD e que as emoções relacionadas à “maravilha”,
“transcendência”, “ternura” e “poder” foram particularmente aumentadas.
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O
gráfico mostra as classificações médias para diferentes emoções evocadas pela
música quando sob efeito do placebo e do LSD. Eles marcaram cada emoção maior
com o LSD. Imagem: M. Karlen et al, Psychopharmacology.
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Eles concluem
que sua descoberta "reforça a suposição de longa data de que a música
assume uma qualidade e um significado intensificados sob a influência de drogas
psicodélicas" e que isso poderia ser útil para aplicações terapêuticas. Eles
acrescentam que, muitas vezes, os sentimentos de transcendência e maravilha são
avaliados como favorecedores de experiências "espirituais" e que,
portanto, a combinação de música com LSD pode provocar este tipo de viagem.
* * *
A experiência
subjetiva dos participantes tem valor, mas Kaelen e seus colegas usaram também estudos
de neuroimagem para explorar a relação entre música e LSD no cérebro.
Na sequência
do estudo-piloto, Kaelen se envolveu com um estudo inovador que utilizou
rastreamentos fMRI e MEG para mapear pela primeira vez o cérebro sob efeito de LSD.
Vinte voluntários foram injetados com 75 microgramas de LSD (e, em outra
ocasião, um placebo) e tiveram seus cérebros escaneados. A pesquisa favoreceu insights sobre alucinações visuais e
mudanças na consciência associados com viagens psicodélicas.
Durante este
mesmo estudo, os participantes passaram por períodos de silêncio e períodos de audição
musical, enquanto estavam no scanner fMRI. Em seguida, respondiam a perguntas
sobre seu humor e qualquer experiência visual que eles experimentassem (eles ficavam
de olhos fechados). Os pesquisadores descobriram uma ligação entre a música e o
tipo de visões das pessoas quando sob efeito de LSD.
O estudo,
publicado no European Neuropsychopharmacology,
descobriu que o fluxo de informação entre o córtex parahipocampal - que tem
sido ligado à memória - e o córtex visual foi reduzido sob LSD. Mas, com a
música, a comunicação entre essas duas áreas aumentou.
As zonas em amarelo aumentaram a ligação com o
parahipocampo. Atinge o máximo com LSD e música, em seguida LSD sem música e,
por fim, placebo com música. Imagem: M. Kaelen et al, European
Neuropsychopharmacology.
É importante
indicar que a magnitude deste efeito está correlacionada com pessoas que relataram
visões mais complexas, em particular, imagens autobiográficas por natureza.
“Muitas vezes,
as pessoas tem vívidas imagens de olhos fechados onde estão interagindo – não é
como se estivessem olhando para uma tela onde vissem imagens divertidas, mas há
alguma interação pessoal com as imagens”, disse Kaelen.
A natureza
pessoal da experiência psicodélica torna difícil escolher uma trilha sonora.
"Isso foi, na verdade, uma coisa muito desafiadora, pois todos nós temos
diferentes preferências musicais, é claro", disse Kaelen. Eles não podiam
permitir que as pessoas trouxessem sua própria música, uma vez que eles
precisavam de práticas padronizadas a fim de obter dados científicos limpos.
Kaelen iniciou
selecionando uma lista de músicas que foi então colocada em um grupo separado
para ter seu impacto emocional avaliado. "Inicialmente eu queria trabalhar
com música neoclássica emocionalmente muito forte, mas considerando o ambiente
desafiador onde as pessoas estão, dentro do scanner fMRI, eu realmente pensei
que talvez não seria uma boa ideia expor as pessoas a um meio ambiente realmente
intenso", explicou. "Eu acabei selecionando músicas que possuem uma
atmosfera geral muito relaxante e positiva – principalmente música de um
artista de ambient music chamado
Robert Rich."
Kaelen acabou
selecionando dois trechos de sete minutos, de músicas de Robert Rich e Lisa
Moskow, de seu trabalho colaborativo de 1995, o álbum Yearning. Ele descreveu as faixas como calmantes com cordas
melódicas (Moskow toca um sarod, instrumento indiano semelhante a um sitar). "Havia
ali um monte de instrumentos bem típicos da ambient
music – como um sintetizador, uma flauta – mas havia também um instrumento
com uma linha melódica clara que as pessoas podem seguir", disse ele.
Kaelen disse
que o trabalho de Rich foi realmente uma das razões pelas quais ele foi atraído
para explorar os efeitos da música em sua pesquisa. "Robert Rich é
incrível, porque ele realmente começou a fazer música com a ideia de que esta
pode ser uma forma muito potente para induzir e também orientar os estados
alterados", disse ele, referindo-se aos "sleep concerts” (concertos do
sono), onde ele tocava para um público sonolento.
Reprodução de
música em um scanner de ressonância magnética oferece seus próprios desafios,
mesmo que os sujeitos não estejam sob efeito de LSD. Os pesquisadores usaram
fones especiais (sem bobina magnética), compatíveis com o scanner de
ressonância magnética, para tentar manter uma qualidade de som decente, em meio
aos zumbidos da máquina. Enquanto algumas poucas pessoas não gostaram da
música, Kaelen disse que a maioria as recebeu bem, como uma alternativa mais “calorosa”
que o ruído do scanner.
* * *
Embora esses
estudos tenham lançado luz sobre os efeitos da música e do LSD, quando
experimentados em combinação, uma força motriz da pesquisa da equipe do
Imperial College é explorar como os psicodélicos poderiam ser usados em um
contexto terapêutico. A pesquisa mostrou que, utilizadas sob a orientação de um
terapeuta,
estas drogas poderiam ser úteis no tratamento de doenças tais como a depressão, a ansiedade e a dependência. Kaelen está interessado em
como a música pode ajudar.
A ideia básica
tem suas raízes na terapia psicodélica nos anos 60, antes que essas drogas tenham
se tornado ilegais e, portanto, mais difíceis de trabalhar.
"As
pessoas começaram a perceber que não é a droga em si que proporciona um efeito
terapêutico; é a experiência que a droga é capaz de produzir em interação com o
terapeuta, com o meio ambiente, que tem esse potencial", explicou Kaelen.
"Indo além dessa concepção, as pessoas basicamente começaram a
experimentar com diferentes formas de como projetar a experiência; como se
certificar de que as pessoas têm uma experiência realmente terapêutica".
A
música foi logo reconhecida como um meio de ajudar a
fornecer alguma estrutura para a experiência.
Recentemente,
Kaelen estava envolvido em um ensaio clínico com administração de psilocibina –
o composto psicodélico presente nos "cogumelos mágicos" – para
pacientes com depressão resistente ao tratamento (os resultados ainda não foram
publicados). O estudo ocorreu em um quarto de hospital decorado para parecer menos
clínico e assustador – Kaelen observou que um quarto de hospital estéril era
provavelmente "um dos piores lugares para se tomar uma droga psicodélica".
Quarto original / quarto adaptado. Imagem: Mendel Kaelen
Compilar uma
lista de reprodução para este estudo foi muito mais desafiador, uma vez que era
preciso obter uma trilha sonora para alimentar o ambiente terapêutico por cerca
de seis horas, ao contrário dos poucos minutos no estudo de imagem do cérebro. Os
sujeitos poderiam tanto ouvir através do sistema de som na sala ou através de
fones de ouvido, mas a música ficava sempre ligada.
Kaelen disse que
sua lista foi parcialmente inspirada pelo trabalho de pesquisadores anteriores,
como a musicoterapeuta Helen Bonny, que desenvolveu, na década de 1960, um
método chamado “Imaginação e Música Guiadas (GIM)”,
para ajudar a explorar estados de consciência num contexto terapêutico.
Ele projetou sua
lista de reprodução para refletir a mudança experimentada pelo uso da
substância, desde o início dos efeitos da psilocibina até o pico da experiência
e, em seguida, o retorno. "Para todas estas diferentes fases dentro da
lista de reprodução, necessidades diferentes existem para serem cumpridas e a
música pode ajudar com elas", disse Kaelen.
Por exemplo,
muitas pessoas ficam naturalmente nervosas antes que a droga produza efeitos, então
Kaelen selecionou músicas que pudessem ser calmantes e reconfortantes. Durante
a chegada dos efeitos da substância, a música torna-se mais ritmada e, durante
o pico do efeito da droga, que dura algumas horas, a música oscila entre
diferentes intensidades emocionais, no que Kaelen chamado de efeito de pêndulo.
"Não seria
bom para as pessoas serem constantemente expostas à música muito emocional; é
preciso haver um momento em que o indivíduo é capaz também de refletir sobre a
experiência", explicou.
Kaelen disse que
levou meses para selecionar e misturar faixas para o ensaio, que ele tirou de
sua própria biblioteca, bem como de recomendações presentes na obra de Bonny. Ele
ficou longe das faixas mais clássicas ou cristãs, tal como ele disse ser
importante que a música refletisse os momentos e não tivesse conotações de
nenhuma religião específica. Kaelen compõe sua própria música eletrônica
experimental, por isso foi capaz de misturar as faixas e adaptar a
espacialização e o volume de acordo com a experiência que queria coreografar.
Ele não podia
compartilhar toda sua lista de reprodução para o estudo, para que pudesse usá-la
em outros estudos, sem arriscar que as pessoas se tornassem muito familiarizadas
com uma música específica. No entanto, ele compartilhou algumas faixas:
"Against the Sky", de Brian Eno e Harold Budd, caracterizando a fase
de entrada como uma faixa calmante; "Sostenuto tranquillo ma
cantabile", do músico erudito contemporâneo Henryk Górecki, é tocada na
ascenção para o pico e é, de acordo com Kaelen, a primeira peça "emocionalmente
evocativa"; e Greg Haines faz uma aparição com "183 Times" – música
também utilizada no estudo piloto, para explorar o realce emocional durante a
fase de pico.
Para demonstrar
o efeito da música, Kaelen compartilhou comigo algumas experiências de pacientes.
Em resposta a "183 Times," um paciente disse que era "O pico da
experiência, a faixa que parecia resumir toda a experiência. Movendo-se para
além das palavras, ela acompanhou a parte mais forte da viagem interior.
Surpreendente!".
Outro
compartilhou, "Essa música me fez chorar muito. Foi muito triste e bonito,
chorar durante essa música sentida como uma liberação emocional, liberação de
tristeza e maus sentimentos em relação a mim mesmo. Isso me fez pensar nas
batalhas que tive que enfrentar na vida, sendo pressionado. No final desta
canção me senti limpo e melhor e senti compaixão por mim mesmo".
Em última
análise, Kaelen disse, algumas pessoas se ligaram muito bem com a música, e
outros não.
"A seleção
das músicas foi realmente muito difícil, porque a cada música considerada, fiz-me
a pergunta: ‘Eu acho que essa música funciona para o paciente, porque funciona
para mim, ou a canção funciona para o paciente porque traz consigo uma mensagem
universal, que é intrínseca à própria música? '", Disse Kaelen.
Não há realmente
uma ciência disso – pelo menos, não ainda.
"Para ser
honesto contigo, quando comecei a fazer isso, também senti a enorme
responsabilidade que a concepção de uma lista de reprodução de música como esta
traz, porque as pessoas serão incrivelmente influenciadas por ela",
admitiu.
Uma lição
importante que Kaelen tirou do estudo é que, enquanto ele ainda acredita, por
um lado, que há alguma universalidade na música, por outro, constata ser
impossível fazer uma lista padronizada adequada para todos. Ele sugere que, no
futuro, o terapeuta deva encontrar algum modo de adaptar a música para as
necessidades singulares de seus pacientes. Seguindo adiante, isso é algo no
qual ele vem trabalhando.
Ele enfatizou
que o aspecto mais importante do uso terapêutico de psicodélicos reside em
estabelecer um relacionamento forte entre paciente e terapeuta.
"A música,
em essência, está lá sempre e somente a serviço do processo terapêutico
central; que é apoiar a jornada de olhos fechados altamente pessoal que se
desenrola ao longo das horas", disse ele.
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