sábado, 26 de junho de 2021

Quem tá sem não tem também


A Big Farma sempre se fez presente lá em casa. Nasci de cesárea e muita droga para grávida minha mãe tomou e tomei também um monte de remédio e meu pai bebia café, aguardente e fumava charuto sem parar e eu falava sem parar que a casa era um enorme cinzeiro, cheio de cinza pra todo lado e para piorar a empregada era negra e obrigada a limpar toda aquela merda. Por pouco, não me deram um nome de cachaça. Maconha nunca fumei, nem um trago. Só o cheiro já me enjoa de longe. Tenho certo medo daquele povo. Rapé prefiro bem mais. Gosto também do chá do cipó das almas, de alfarroba e de chocolate Lindt. Vi muita tevê esses tempos e me falta traquejo social. Novo normal. Bebo refrigerante desde os dois anos de idade, já sei escrever meu nome sem titubear e meu vocabulário melhora a cada dia. Ao menos foi o que disse o psicomotricista da semana passada. Sou um artista. Maldito corretor! Eu quis dizer que sou um artista. Afe, máquina irritante, eu sou um artista. Hm... Vamos ficar só com a parte então em que eu falo das drogas, deixando de lado a que tento falar sobre artismo (corretor doentio! mais maluco que eu!). Tomei LSD pela primeira vez aos oito anos, numa tatuagem que vinha numa bala que eu comprava na escola. Disseram que foram os comunistas que implantaram LSD nas tatuagens e eu já era amigo de três deles e posso garantir que nenhum dos acusados era de fato um bicho-grilo. Me pareceu mais o contrário; eles estavam bem preocupados em como se organizar, como organizar isso e aquilo, como organizar o partido, partir o organizado, ligar e separar, etc.

Agora já não tenho mais tempo para esses velhos amigos. Metade foi preso, a outra metade ainda espera. O mais criativo são as acusações: estelionato, desacato, passagem ao ato e outros acordes dissonantes… Tudo gente boa querendo coisa boa pra gente toda, mas tudo também meio sonhador, sem noção do perigo, achando que se tá aí pra coisas boas nessa vida, afe, cansei... Meu lance tem sido mais o de matar aula. Faço isso umas três a quatro vezes por semana e já sei como economizar a grana do meu pai e depois meter um processo naquele professor novato, louco e inseguro pra ver se ele me passa um trabalho no qual eu só precise escrever meu nome (aprendi com os broda). 

Bem, estou cansado de falar de mim, então vamos falar dessas coisas que estão aqui. Deixa eu ver... Não... Não... Ah, sim. Bem, essa aqui tem o lance que... Ah, sim, meu próprio cigarro! Sim! Deixa só contar essa. Decidi um dia que iria ter meu próprio cigarro e daí a Luzia chegou e disse bem que eu estava mentindo e que meu pai nem tinha dinheiro nenhum do mundo pra me fazer de presente, que só se eu roubasse. Daí bem falei pra ela assim: "cocada é uma parada, quem manda na minha bocada é tricotada". Primeiro ela riu muito. Depois me agarrou pela sobrancelha, meteu os dentes no meu nariz e gritou pra nunca mais falar uma titica dessas. Por isso que leio Crumb. E olha que eu só queria puxar assunto pra pedir um Trident que eu vi que ela tava guardando junto ali com a cigarreira dela. Agora fico eu e este bafo horroroso de glutamato vencido...

A lição é indiscutível: quem tá sem não tem também.


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