quarta-feira, 30 de junho de 2010

Artes & Ofícios


Hoje foi ao ar na homepage da Tramavirtual uma coleção de imagens que preparei para a seção Artes & Ofícios, onde os trabalhos musicais de Filme, Supercordas, Digital Ameríndio e Brian Jones foram abordados visualmente (e textualmente). Abaixo, a resposta completa (author's cut) para o mote da seção:

Como música e imagem se relacionam para você?

Bem, pra começar, acho que as imagens acústicas e visuais se relacionam em função do tempo. E não em um único sentido (do passado para o futuro, por exemplo). Afinal, em certo sentido, as freqüências sonoras audíveis oscilam entre 20Hz e 20KHz aproximadamente, enquanto o espectro do humanamente visível oscila mais ou menos entre 400 THz e 750 THz. Portanto os sons e cores perceptíveis estão em freqüências bem distantes e apresentam uma enorme diferença de ritmo. Além disso, a velocidade do som no ar é de mais ou menos 340 m/s (mas isso varia de acordo com o meio), enquanto a velocidade da luz no vácuo é da ordem dos 300000 Km/s: uma enorme diferença de velocidade. E tem mais, os sons são compostos de ondas mecânicas, elásticas, que sempre necessitam de um meio material para se propagarem (e sua velocidade pode variar também de acordo com a temperatura, pressão etc), enquanto a luz resulta de ondas eletromagnéticas, que podem muito bem se propagar no vazio. Ou seja, imagens sonoras e visuais apresentam também claras diferenças de natureza. Nessa onda física pode parecer a princípio que a relação entre som e imagem não dá caldo. Então talvez não seja prudente continuar por aí, pra não tomar caixote...
Daí eu apelo então pra um outro sentido temporal, pois alguns neurofisiologistas afirmam que somos sinestetas de sons e cores até por volta de três meses de vida, quando passamos a distinguí-los. Só que essa leitura patologizante, cronificante, também não me satisfaz, pois - mesmo que já estejamos falando aqui em outro sentido do tempo - ainda se trata de uma perspectiva cronológica e cronificada, muito positivista, muito negativista. A sinestesia é vista aí sob uma ótica do patológico. Ou seja, é considerada uma espécie de perturbação neurológica que, em geral, só diz respeito a lesões, problemas de desenvolvimento ou uso de alucinógenos. Nessa leitura, quem confunde imagens acústicas e visuais, assim como olfativas, táteis etc, também não conseguiria definir com muita nitidez uma imagem de si ("eu virei um timbre", teria dito Stephen Lawrie, da banda inglesa The Telescopes).
Mas, num sentido estético, sou muito mais romântico que isso, pois curto a sinestesia como uma espécie de arroubo poético. Adoro metáforas intersensoriais, interconceituais, intermedia, aquela onda simbolista do século XIX, as correspondências baudelaireanas, e também toda aquela temporalidade transversal que liga a literatura de Proust à filosofia de Bergson e à música de Debussy. Aliás, me amarro tanto nessas vibrações que escrevi um livro transdisciplinar sobre ritmo e subjetividade, que está pra ser publicado ainda este ano. E o paradoxal é que acho que toda essa transcodificação, essa transdução, essa transfusão, essa transferência, é o que há de mais contemporâneo, menos datável; por isso, nem me considero também uma espécie de “romântico tardio”. Ou sei lá. Afinal, o grande barato pra mim talvez tenha partido mesmo da chamada cultura-videoclipe, pois só muito depois de entrar nessa onda é que fui tomar um contato mais direto com os Kandinskis, Ligetis, Jorges Antunes e McLarens da vida. Antes tava tudo junto e misturado...

Beijos e vinhos!

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