domingo, 8 de maio de 2016

Como selecionar música para ser ouvida sob efeito de LSD, por alguém cujo trabalho é esse (TRADUÇÃO LIVRE)

Escrito por Victoria Turk, publicado em Motherboard e traduzido por Sandro Rodrigues


Desde o apogeu da contracultura dos anos 1960, o LSD tem sido intimamente associado à música. Mas não são somente as tendências artísticas que os associam: pesquisadores descobriram que ouvir música pode de fato afetar a experiência com LSD em um nível neurológico – e eles possuem mapeamentos cerebrais para apoiar essa ideia.
Mendel Kaelen, que está realizando seu PhD em neurociências na Imperial College, conduziu diversos estudos que investigam a influência combinada de música e drogas psicodélicas em estudos com humanos. Um dos desafios? A escolha da música.
Em estudos recentes, tem sido responsabilidade de Kaelen (dentre outras coisas) conceber a lista de reprodução perfeita para uma viagem psicodélica cientificamente conduzida de acordo com rigorosos requisitos de pesquisa – uma tarefa que requer tanto uma sensibilidade criativa quanto um respeito pelo rigoroso quadro de procedimentos científicos.
Ele explicou que a necessidade de incluir música nesses estudos é confirmada diretamente pelo crescente interesse em estudar drogas psicodélicas e determinar como elas poderiam ser usadas em terapia: um dos principais objetivos da equipe do Imperial College com estas substâncias é explorar como elas poderiam ser utilizadas para ajudar a tratar transtornos mentais como a depressão.
Mendel Kaelen. Por Mendel Kaelen.

A ideia de incorporar música na terapia psicodélica não é nova; foi um ponto de grande interesse para musicoterapeutas na década de 1960. Mas Kaelen está tentando fundamentá-la numa estrutura científica sólida.
"Se você olhar para estes ensaios clínicos agora, todos eles, sem exceção, usam a música como parte do modelo de terapia", disse ele em uma entrevista por telefone. "Se a música desempenha um papel tão importante no método terapêutico, é preciso fazer muitas perguntas científicas importantes relacionadas a isso, a fim de realmente fazer avançar o campo - para assegurar de que realmente temos uma compreensão empírica do papel da música no trabalho terapêutico".
Falei com Kaelen sobre sua pesquisa acerca dos efeitos da música na experiência psicodélica (e vice-versa), sobre como isso poderia contribuir para o uso terapêutico dessas substâncias e, o mais importante, como ele seleciona músicas para tais situações incomuns.

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Antes que possamos imaginar terapeutas dando LSD e um par de fones-de-ouvido para pacientes, é importante estabelecermos alguns fatos básicos sobre os efeitos combinados de música com psicodélicos. Em um estudo piloto, publicado ano passado na revista Psychopharmacology, Kaelen e seus colegas de pesquisa voltaram ao básico e testaram uma hipótese simples, inspirada na psicoterapia dos anos 1950 e 1960: o uso de psicodélicos intensifica a resposta emocional à música?
No estudo, dez voluntários ouviram cinco faixas instrumentais em duas ocasiões. Na primeira, eles receberam um placebo; na segunda, foi-lhes dado o LSD.
Mas qual música é apropriada para avaliar as respostas emocionais ao ácido? Os participantes ouviram duas listas de reprodução diferentes, cuja “potência emocional” foi equilibrada com base em avaliações anteriores de um grupo separado de pessoas. As faixas selecionadas estavam entre aquelas consideradas mais simpáticas e menos familiares – Kaelen explicou que a familiaridade de uma faixa poderia influenciar a resposta emocional das pessoas: “se a música for muito familiar, isso pode reduzir a possibilidade de se ter uma experiência nova, uma vez que você já teve experiência com essa canção antes em sua vida”.

Ambas as listas resultantes incluem faixas neo-clássicas e de ambient music, dos artistas Brian McBride, Ólafur Arnalds, Arve Henriksen e Greg Haines. Kaelen disse que Haines, um compositor britânico, foi uma escolha popular – ele tem utilizado suas faixas em vários estudos: “sua música simplesmente foi apontada por vezes e vezes como favorita”.
Os participantes do estudo em resposta emocional foram solicitados a classificar, em uma escala de 1 a 100, o quão emocionalmente afetados eles foram pelas músicas ouvidas, além de preencherem um questionário conhecido como GEMS-9, que os solicitava a dar uma nota para diferentes tipos de resposta emocional à música, tais como tranquilidade ou tensão. Os pesquisadores constataram que os participantes relatavam uma resposta emocional à música significativamente mais elevada quando eles ingeriam LSD e que as emoções relacionadas à “maravilha”, “transcendência”, “ternura” e “poder” foram particularmente aumentadas.




O gráfico mostra as classificações médias para diferentes emoções evocadas pela música quando sob efeito do placebo e do LSD. Eles marcaram cada emoção maior com o LSD. Imagem: M. Karlen et al, Psychopharmacology.

Eles concluem que sua descoberta "reforça a suposição de longa data de que a música assume uma qualidade e um significado intensificados sob a influência de drogas psicodélicas" e que isso poderia ser útil para aplicações terapêuticas. Eles acrescentam que, muitas vezes, os sentimentos de transcendência e maravilha são avaliados como favorecedores de experiências "espirituais" e que, portanto, a combinação de música com LSD pode provocar este tipo de viagem.

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A experiência subjetiva dos participantes tem valor, mas Kaelen e seus colegas usaram também estudos de neuroimagem para explorar a relação entre música e LSD no cérebro.
Na sequência do estudo-piloto, Kaelen se envolveu com um estudo inovador que utilizou rastreamentos fMRI e MEG para mapear pela primeira vez o cérebro sob efeito de LSD. Vinte voluntários foram injetados com 75 microgramas de LSD (e, em outra ocasião, um placebo) e tiveram seus cérebros escaneados. A pesquisa favoreceu insights sobre alucinações visuais e mudanças na consciência associados com viagens psicodélicas.
Durante este mesmo estudo, os participantes passaram por períodos de silêncio e períodos de audição musical, enquanto estavam no scanner fMRI. Em seguida, respondiam a perguntas sobre seu humor e qualquer experiência visual que eles experimentassem (eles ficavam de olhos fechados). Os pesquisadores descobriram uma ligação entre a música e o tipo de visões das pessoas quando sob efeito de LSD.
O estudo, publicado no European Neuropsychopharmacology, descobriu que o fluxo de informação entre o córtex parahipocampal - que tem sido ligado à memória - e o córtex visual foi reduzido sob LSD. Mas, com a música, a comunicação entre essas duas áreas aumentou.
As  zonas em amarelo aumentaram a ligação com o parahipocampo. Atinge o máximo com LSD e música, em seguida LSD sem música e, por fim, placebo com música. Imagem: M. Kaelen et al, European Neuropsychopharmacology.

É importante indicar que a magnitude deste efeito está correlacionada com pessoas que relataram visões mais complexas, em particular, imagens autobiográficas por natureza.
“Muitas vezes, as pessoas tem vívidas imagens de olhos fechados onde estão interagindo – não é como se estivessem olhando para uma tela onde vissem imagens divertidas, mas há alguma interação pessoal com as imagens”, disse Kaelen.
A natureza pessoal da experiência psicodélica torna difícil escolher uma trilha sonora. "Isso foi, na verdade, uma coisa muito desafiadora, pois todos nós temos diferentes preferências musicais, é claro", disse Kaelen. Eles não podiam permitir que as pessoas trouxessem sua própria música, uma vez que eles precisavam de práticas padronizadas a fim de obter dados científicos limpos.
Kaelen iniciou selecionando uma lista de músicas que foi então colocada em um grupo separado para ter seu impacto emocional avaliado. "Inicialmente eu queria trabalhar com música neoclássica emocionalmente muito forte, mas considerando o ambiente desafiador onde as pessoas estão, dentro do scanner fMRI, eu realmente pensei que talvez não seria uma boa ideia expor as pessoas a um meio ambiente realmente intenso", explicou. "Eu acabei selecionando músicas que possuem uma atmosfera geral muito relaxante e positiva – principalmente música de um artista de ambient music chamado Robert Rich."

Kaelen acabou selecionando dois trechos de sete minutos, de músicas de Robert Rich e Lisa Moskow, de seu trabalho colaborativo de 1995, o álbum Yearning. Ele descreveu as faixas como calmantes com cordas melódicas (Moskow toca um sarod, instrumento indiano semelhante a um sitar). "Havia ali um monte de instrumentos bem típicos da ambient music – como um sintetizador, uma flauta – mas havia também um instrumento com uma linha melódica clara que as pessoas podem seguir", disse ele.
Kaelen disse que o trabalho de Rich foi realmente uma das razões pelas quais ele foi atraído para explorar os efeitos da música em sua pesquisa. "Robert Rich é incrível, porque ele realmente começou a fazer música com a ideia de que esta pode ser uma forma muito potente para induzir e também orientar os estados alterados", disse ele, referindo-se aos "sleep concerts” (concertos do sono), onde ele tocava para um público sonolento.
Reprodução de música em um scanner de ressonância magnética oferece seus próprios desafios, mesmo que os sujeitos não estejam sob efeito de LSD. Os pesquisadores usaram fones especiais (sem bobina magnética), compatíveis com o scanner de ressonância magnética, para tentar manter uma qualidade de som decente, em meio aos zumbidos da máquina. Enquanto algumas poucas pessoas não gostaram da música, Kaelen disse que a maioria as recebeu bem, como uma alternativa mais “calorosa” que o ruído do scanner.

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Embora esses estudos tenham lançado luz sobre os efeitos da música e do LSD, quando experimentados em combinação, uma força motriz da pesquisa da equipe do Imperial College é explorar como os psicodélicos poderiam ser usados em um contexto terapêutico. A pesquisa mostrou que, utilizadas sob a orientação de um terapeuta, estas drogas poderiam ser úteis no tratamento de doenças tais como a depressão, a ansiedade e a dependência. Kaelen está interessado em como a música pode ajudar.
A ideia básica tem suas raízes na terapia psicodélica nos anos 60, antes que essas drogas tenham se tornado ilegais e, portanto, mais difíceis de trabalhar.
"As pessoas começaram a perceber que não é a droga em si que proporciona um efeito terapêutico; é a experiência que a droga é capaz de produzir em interação com o terapeuta, com o meio ambiente, que tem esse potencial", explicou Kaelen. "Indo além dessa concepção, as pessoas basicamente começaram a experimentar com diferentes formas de como projetar a experiência; como se certificar de que as pessoas têm uma experiência  realmente terapêutica".
A música foi logo reconhecida como um meio de ajudar a fornecer alguma estrutura para a experiência.
Recentemente, Kaelen estava envolvido em um ensaio clínico com administração de psilocibina – o composto psicodélico presente nos "cogumelos mágicos" – para pacientes com depressão resistente ao tratamento (os resultados ainda não foram publicados). O estudo ocorreu em um quarto de hospital decorado para parecer menos clínico e assustador – Kaelen observou que um quarto de hospital estéril era provavelmente "um dos piores lugares para se tomar uma droga psicodélica".
Quarto original / quarto adaptado. Imagem: Mendel Kaelen

Compilar uma lista de reprodução para este estudo foi muito mais desafiador, uma vez que era preciso obter uma trilha sonora para alimentar o ambiente terapêutico por cerca de seis horas, ao contrário dos poucos minutos no estudo de imagem do cérebro. Os sujeitos poderiam tanto ouvir através do sistema de som na sala ou através de fones de ouvido, mas a música ficava sempre ligada.

Kaelen disse que sua lista foi parcialmente inspirada pelo trabalho de pesquisadores anteriores, como a musicoterapeuta Helen Bonny, que desenvolveu, na década de 1960, um método chamado “Imaginação e Música Guiadas (GIM)”, para ajudar a explorar estados de consciência num contexto terapêutico.
Ele projetou sua lista de reprodução para refletir a mudança experimentada pelo uso da substância, desde o início dos efeitos da psilocibina até o pico da experiência e, em seguida, o retorno. "Para todas estas diferentes fases dentro da lista de reprodução, necessidades diferentes existem para serem cumpridas e a música pode ajudar com elas", disse Kaelen.
Por exemplo, muitas pessoas ficam naturalmente nervosas antes que a droga produza efeitos, então Kaelen selecionou músicas que pudessem ser calmantes e reconfortantes. Durante a chegada dos efeitos da substância, a música torna-se mais ritmada e, durante o pico do efeito da droga, que dura algumas horas, a música oscila entre diferentes intensidades emocionais, no que Kaelen chamado de efeito de pêndulo.
"Não seria bom para as pessoas serem constantemente expostas à música muito emocional; é preciso haver um momento em que o indivíduo é capaz também de refletir sobre a experiência", explicou.
Kaelen disse que levou meses para selecionar e misturar faixas para o ensaio, que ele tirou de sua própria biblioteca, bem como de recomendações presentes na obra de Bonny. Ele ficou longe das faixas mais clássicas ou cristãs, tal como ele disse ser importante que a música refletisse os momentos e não tivesse conotações de nenhuma religião específica. Kaelen compõe sua própria música eletrônica experimental, por isso foi capaz de misturar as faixas e adaptar a espacialização e o volume de acordo com a experiência que queria coreografar.
Ele não podia compartilhar toda sua lista de reprodução para o estudo, para que pudesse usá-la em outros estudos, sem arriscar que as pessoas se tornassem muito familiarizadas com uma música específica. No entanto, ele compartilhou algumas faixas: "Against the Sky", de Brian Eno e Harold Budd, caracterizando a fase de entrada como uma faixa calmante; "Sostenuto tranquillo ma cantabile", do músico erudito contemporâneo Henryk Górecki, é tocada na ascenção para o pico e é, de acordo com Kaelen, a primeira peça "emocionalmente evocativa"; e Greg Haines faz uma aparição com "183 Times" – música também utilizada no estudo piloto, para explorar o realce emocional durante a fase de pico.
Para demonstrar o efeito da música, Kaelen compartilhou comigo algumas experiências de pacientes. Em resposta a "183 Times," um paciente disse que era "O pico da experiência, a faixa que parecia resumir toda a experiência. Movendo-se para além das palavras, ela acompanhou a parte mais forte da viagem interior. Surpreendente!".

Outro compartilhou, "Essa música me fez chorar muito. Foi muito triste e bonito, chorar durante essa música sentida como uma liberação emocional, liberação de tristeza e maus sentimentos em relação a mim mesmo. Isso me fez pensar nas batalhas que tive que enfrentar na vida, sendo pressionado. No final desta canção me senti limpo e melhor e senti compaixão por mim mesmo".
Em última análise, Kaelen disse, algumas pessoas se ligaram muito bem com a música, e outros não.
"A seleção das músicas foi realmente muito difícil, porque a cada música considerada, fiz-me a pergunta: ‘Eu acho que essa música funciona para o paciente, porque funciona para mim, ou a canção funciona para o paciente porque traz consigo uma mensagem universal, que é intrínseca à própria música? '", Disse Kaelen.
Não há realmente uma ciência disso – pelo menos, não ainda.
"Para ser honesto contigo, quando comecei a fazer isso, também senti a enorme responsabilidade que a concepção de uma lista de reprodução de música como esta traz, porque as pessoas serão incrivelmente influenciadas por ela", admitiu.
Uma lição importante que Kaelen tirou do estudo é que, enquanto ele ainda acredita, por um lado, que há alguma universalidade na música, por outro, constata ser impossível fazer uma lista padronizada adequada para todos. Ele sugere que, no futuro, o terapeuta deva encontrar algum modo de adaptar a música para as necessidades singulares de seus pacientes. Seguindo adiante, isso é algo no qual ele vem trabalhando.
Ele enfatizou que o aspecto mais importante do uso terapêutico de psicodélicos reside em estabelecer um relacionamento forte entre paciente e terapeuta.
"A música, em essência, está lá sempre e somente a serviço do processo terapêutico central; que é apoiar a jornada de olhos fechados altamente pessoal que se desenrola ao longo das horas", disse ele.

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