sexta-feira, 3 de maio de 2013

A verdadeira história de Digital Ameríndio & (American Bigfoot) Mouse Mouse Joe



Digital Ameríndio foi o nome atribuído ao vigésimo oitavo protótipo de um sistema híbrido de comando, instalado tal como um parasita em um organismo humano específico, a saber, um daqueles que respondem pelo nome de Sandro Rodrigues. Trata-se de um sistema que pode ser operado à distância, por meio de ondas sonoras, de tal maneira que nunca se sabe ao certo quem está no comando. Por vezes, Sandro parece ditar as ordens, mas se ficamos atentos ao que motiva as ordens ditadas, acabamos por notar que ele apenas andou cuspindo letras, palavras, babando versos, expressões, citações, ou mesmo vomitando frases, parágrafos, refrões, textos de livros inteiros, que, com vida própria, o habitam involuntariamente, locomovendo-se continuamente em seu cérebro, como lesmas ou vermes sonoros que ameaçam consumi-lo até que todas suas energias passem a alimentar apenas as letras e imagens parasitas, pouco se importando com a saúde do organismo hospedeiro de quem assina como letrista. Sandro acredita precisar aprender a controlar suas retinas e intestinos, a lidar com o dispositivo Digital Ameríndio para salvar sua vida. Decide pedir ajuda e convida quatro exímios operadores e inventores de sistemas, linguagens, estratégias e expressões sonoras de eficácia comprovada nos âmbitos mais exigentes, para realizar alguns experimentos no laboratório sonoro de número 82b, na rua do Resende. 

Pedro, o Bonifrate, tem acionado, há mais de 700 anos, cordas eletroacústicas e vocais que geram consonância, além de pisar em equipamentos eletrônicos barulhentos que afastam formas de vida conformadas na compressão diária. Löis Lancaster é um professor, uma geração mais velho que Pedro, que usa cordas de outro tipo e que geram sub-frequências indutoras da hipnose, da apneia, do riso e da embriaguez lógica. Robson Riva, que usa mini-metralhadoras disfarçadas nos óculos, aprendeu, há cerca de 1500 anos atrás, a evocar as forças cósmicas da criação com seu chamado primal, coreografado no gesto acrobático das varinhas sonoras que estalam em caixas, pratos e tambores encantados, e dos pés que se agitam como polvos enlouquecidos. Gabriel Ares é chamado Maestro devido a sua experiência mais longa, alçando já, atualmente, a uma função harmonizadora no grupo. Dizem, mas ninguém comprova, que ele foi responsável pela síntese disjuntiva que deu origem ao Pão de Açúcar. Certeza é que usa máquinas controladas por teclas. 

Na Rua do Resende, logo após as máquinas terem sido ligadas em conjunto, algo estranho acontece: a estrutura física do sistema Digital Ameríndio começa a se liquefazer por dentro do organismo de Sandro, a escorrer por suas vísceras e, abalando, por contágio, toda sua estrutura óssea, força a carne restante, desestruturada, a chacoalhar ensandecida, fora de prumo, em uma quebração bizarra, ao mesmo tempo muito lenta, ao mesmo tempo muito ágil. O corpo vibrante transpira e se agita, cada vez mais tresloucadamente se agita acelerado. E, lesado, transpira. E acelera tanto, e oscila, até que começa a inchar, a inchar sem parar, como um balão de gás, e a inflar-se até encher a sala todo inchado e, em meio a este frenesi alucinante, explode, espirrando para todos os lados um líquido metálico e viscoso que, ao respingar nos equipamentos e colegas presentes no laboratório, os curto-circuita, gerando uma espécie de ruído grafite estrondoso que, aos poucos, abre-se em névoas pútridas de onde emerge uma estranha individuação, cuja natureza, investigada posteriormente, convencionou-se considerar como a de um legítimo American Bigfoot. 

Consta, nos arquivos consultados para a elaboração do presente texto informativo, que o Bigfoot americano, assim como toda espécie de Bigfoot que estamos habituados a encontrar diariamente pelas ruas, tem a habilidade de aumentar sua pegada fagocitando os pés de suas presas; mas o mais curioso é que, diferente do Bigfoot de tipo Cubensis, cuja cabeça aumenta tal como os pés, o American precisa dobrar o número de cabeças, a cada vítima absorvida, para manter o comando distinto de todos os braços e mãos dos seres que passam a lhe compor o organismo. Foi a partir daí que se chegou à hipótese plausível de que seria um desses o responsável pela união da banda toda. Um desdobramento natural, uma vez que fomos levados a crer de fato se tratar de um legítimo American Bigfoot, foi atribuir-lhe um nome completo. Uma solução interessante pareceu aquela de “dobrar o rato”, como se diz na gíria, pois seu jeito usual de dobrar o número de cabeças não poderia ser, obviamente, do mesmo tipo que o do Sapiens Sapiens, mas nos pareceu mais preciso chamá-lo Mouse Mouse. E, por fim, após intenso trabalho coletivo de exegese dos arquivos de referência, Joe foi o meio carinhoso pelo qual o grupo decidiu singularizá-lo. 

Uma observação não pode deixar aqui de ser feita: é que, apesar da explosão, dizem que Sandro, Gabriel, Pedro, Robson e Löis seguem bem de saúde, cantando, tocando. E as sequelas nem são notáveis em circunstâncias habituais... 
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