quarta-feira, 21 de maio de 2014

Lançamento do livro Atendendo na Guerra: dilemas médicos e jurídicos sobre o "crack"

Então, pessoal!

Na próxima terça-feira, dia 27 de maio, às 19h, na Livraria Argumento, do Leblon (Rua Dias Ferreira, 417), ocorre o lançamento do livro Atendendo na Guerra: dilemas médicos e jurídicos sobre o "crack", publicação da editora Revan e do Instituto Carioca de Criminologia. O livro, organizado por Vera Malaguti Batista e Lucília Elias Lopes, pretende adentrar no front da guerra às drogas que insiste em dominar nosso território há mais de quarenta anos e, para isso, conta também com textos de Alexandre Moura Dumans, Bernardo Gama Cruz, Eduardo Passos, Francisco Inácio Bastos, Iacã Macerata, Maria Lúcia Karam, Nilo Batista, Rafael Dias, Salo de Carvalho e Sandro Eduardo Rodrigues.

Contribuí com o texto Experiências psicotrópicas proscritas: o fora-eixo, sobre minha participação em um projeto multicêntrico de pesquisa - envolvendo UFF, UFRGS, UFRJ, UNICAMP e Université de Montréal - conhecido como Gestão Autônoma da Medicação (GAM). A GAM é uma nova abordagem em saúde mental surgida em Quèbec, no Canadá, ao longo dos anos 1990, visando ampliar a autonomia dos usuários de medicamentos psiquiátricos na gestão de seu tratamento, pela valorização da experiência vivida. Entre 2011 e 2012, participei de grupos de intervenção com usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, Rio de Janeiro, realizados no intuito de validar a versão brasileira do chamado Guia da Gestão Autônoma da Medicação, ferramenta que, ao longo de 2009 e 2010, havia sido traduzida e adaptada da versão canadense, editada em 2001, no intuito de ajudar a repensar a relação dos usuários com a medicação. Diferente do Canadá, a Reforma Psiquiátrica brasileira não toma a noção de autonomia como independência individual, autogestão, e sim como autonomia no coletivo e do coletivo. Enquanto a GAM canadense não conta com a participação de médicos, configurando-se como uma busca de alternativas ao tratamento farmacológico centrada na iniciativa individual do usuário, na GAM-BR, os médicos são incluídos nas negociações com os usuários acerca do uso de psicotrópicos. A Reforma Psiquiátrica brasileira é uma política de estado, com marco legal na Lei 10.216/01. No Brasil, fazer gestão autônoma da experiência psicotrópica é fazer cogestão, o que envolve a participação ativa de usuários, familiares, profissionais responsáveis pela prescrição, assim como dos próprios pesquisadores.
Fui à São Pedro com a tarefa de cuidar do chamado "fora-eixo" da GAM, o que implicava uma abertura sensível a questões não previstas nas categorias de análise previamente acordadas pelo coletivo de pesquisa, mas que, ao longo do processo, tenham se mostrado pertinentes. Para a formulação do problema da experiência psicotrópica, situado além e aquém da divisão jurídico-moral entre drogas lícitas e ilícitas, era preciso por em análise minhas implicações estético-políticas no aqui chamado underground psicodélico, ou seja, certo "submundo" (underground) contracultural regido por manifestações (delos) da mente (psychè). A experiência psicodélica revela a mente de um modo ampliado, o que produz momentaneamente efeitos de inefabilidade (impossibilidade de falar à altura da experiência vivida), de alteração das percepções internas (tempo) e externas (espaço), de perturbação do bom senso, a identidade de sujeitos e objetos, e do senso comum, o bom sentido, a causalidade linear, do passado ao futuro, dissolvendo as fronteiras ilusórias entre dentro e fora na afirmação do aqui e agora. Mas, com o acirramento do clima de combate a tais manifestações estético-políticas, em um ambiente regido pelo paradigma da guerra às drogas, a narrativa vai cada vez mais dando relevo a bad trips que incidem: sobre as experiências de uso de psicotrópicos tornados drogas ilícitas, via proibicionismo; sobre as experiências de uso de psicotrópicos prescritos automaticamente, via medicalização; e sobre a própria experiência de pesquisa, via supressão, em grande parte das publicações científicas, do que a análise institucional francesa chama de "fora-texto", ou seja, falas em geral silenciadas, por sua potência de derrubar paradigmas médico-científicos e jurídico-morais, perturbando ideais de identidade, neutralidade e separação entre sujeito e objeto da experiência.
Por fim, apresento um breve percurso da Redução de Danos (RD) no Brasil, passando pela marginalidade, pelo undergound, até sua emergência como paradigma e eixo articulador das políticas públicas para usuários de drogas. Com uma dinâmica de contágio própria do chamado underground junkie, a RD faz com que outsiders passem ao protagonismo nas ações de cuidado, através do trabalho de outreach work, e na formulação de políticas públicas, fazendo com que o "fora" vire eixo e perturbando, assim, as fronteiras entre dentro e fora da clínica e da política. O termo underground perde então sua conotação negativa, como um "submundo", um "mundo inferior". Como resultado parcial de uma pesquisa de doutorado, o texto mostra ainda um recorte bruto e um esboço de análise, desdobrados ao longo da tese, atualmente em processo de finalização para defesa prevista em agosto. Grande parte do artigo foi desenvolvida através de processos de cogestão das ideias, nos quais tiveram lugar especial as boas conversas com Rafael Gil Medeiros, cientista social e redutor de danos, mestre em psicologia social, pesquisador da GAM pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a quem deixo aqui um grande agradecimento e um abraço.

Lembrando, é terça-feira, dia 27 de maio, às 19h, na Livraria Argumento, do Leblon. Esperamos vocês lá!



Nenhum comentário: