sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ritmo e subjetividade no país das maravilhas (Colóquio Repartir em Espaço Aberto)

Em 30 de outubro de 2009, apresentei, no Auditório Macunaíma (UFF/RJ), o trabalho Ritmo e subjetividade no país das maravilhas, na mesa Ritmos e subjetividades do Colóquio Repartir em Espaço Aberto, organizado pelo prof. Dr. Mário Bruno dentro do projeto Pop Filosofia.

André Conforte, Márcio Angelotti e Sandro Rodrigues

Abaixo, um trecho transcrito da apresentação:

Pra começar, teu cabelo está precisando de um corte. Isso foi a primeira coisa que o Chapeleiro Louco falou pra Alice, no episódio do chá. Aí ela reclamou que fazer comentários pessoais é muito indelicado e o Chapeleiro perguntou então por que um corvo se parece com uma escrivaninha. E essa pergunta, quando foi feita, não tinha qualquer resposta; o sentido foi deixado em aberto. Mas o próprio autor das Aventuras de Alice, Lewis Carroll, escreveu um dia que um corvo se parece com uma escrivaninha porque nunca é posto de trás pra frente. Mas como assim um corvo nunca é posto de trás pra frente? É porque ele escreveu nunca, que em inglês é never, com ‘a’, nevar, que – posto de trás pra frente – vira raven, ou seja, corvo.
Mas se o corvo é nunca, posto de trás pra frente, então a inversão de sentido veio primeiro. Mas, como assim, a inversão de sentido veio primeiro? As primeiras palavras do Chapeleiro pra Alice foram ‘seu cabelo está precisando de um corte’. O corte veio primeiro. Mas como assim veio primeiro? Primeiro aqui eu digo como princípio. O maestro falou que no começo era o ritmo; e mesmo o ritmo nasce de um corte; pois se trata aqui de mudanças de sentido. Mas como assim mudanças de sentido?
É porque o ‘princípio’, o ‘primeiro’, não o são aqui no sentido cronológico (o começo, as origens, os fundamentos); mas em outro sentido, o de tomar o ritmo como princípio, o tempo como primeiro (pensar a emergência, os processos de fundação). E isso implica um aumento do grau de abertura da percepção e do pensamento; afinal, vejo tudo o que como não é de modo algum o mesmo que como tudo o que vejo. Tudo muda quando pensamos as questões em função do tempo: muda a percepção, a linguagem, os sentidos. Muda a sensibilidade; e ouvimos até o silêncio que nos lança no vazio. Só que, às vezes, esse vácuo te deixa muito irritado...
Alice se irrita quando o Chapeleiro e a Lebre de Março, enfim, lhe contam que não fazem a menor idéia de qual seria a solução do enigma; e ralha dizendo que eles podiam fazer algo melhor com o tempo do que gastá-lo com perguntas sem resposta. Mas embora Alice tenha dito antes que devemos evitar comentários pessoais, ela mesma ainda não entende que o tempo também não é uma propriedade pessoal. E é disso que se trata. O Chapeleiro aposta que ela nunca falou com o Tempo. E ela responde que talvez não, mas sabe que tem que bater o tempo quando estuda música. E, sim, a música até tem um conceito de tempo, como algo que pode ser medido, marcado, ou batido. Mas o Tempo não gosta de apanhar. Pro Louco, bastava a gente aprender a falar com o Tempo, que Ele faria com o relógio o que a gente quisesse. Por exemplo, na hora de cumprir as tarefas era só a gente falar pro Tempo que ele fazia o relógio levar a gente pra hora do lazer... Mas é óbvio que o tempo não nos obedece nem assim, pois ele não nos pertence. E esse domínio sobre Ele também escapa ao controle do Chapeleiro.
O Louco relata que, há dois meses, a Rainha de Copas deu um concerto em que ele teve que cantar e, mal acabou a primeira estrofe, a Rainha saltou e berrou que ele estava matando o tempo: cortem-lhe a cabeça! Desde então, o relógio parou, prendendo o Louco e a Lebre na hora do chá. E Alice, que não é boba nem nada, intui que é por isso que eles ficam mudando de um lugar pro outro em círculos, sem tempo sequer pra lavar as louças. Mas, aí, ela pergunta o que acontece então quando retornam ao começo?
E aí eu também pergunto o que acontece então quando nós voltamos ao começo? O Chapeleiro falou pra Alice que seu cabelo está precisando de um corte e, nisso, outro tipo de corte se efetuou. Um corte na narrativa, trazendo à tona o paradoxo, o nonsense, o impessoal...
‘Tome mais um pouco de chá’, falou a Lebre pra Alice.
‘Como ainda não tomei nenhum, não posso tomar mais’.
‘Você quis dizer que não pode tomar menos’, disse o Louco, ‘é fácil tomar mais que nada’.
‘Ninguém pediu a sua opinião’, respondeu Alice.
‘Hmm!!  Quem está fazendo comentários pessoais agora?’ perguntou o Chapeleiro.


(o texto completo da apresentação está sendo revisto, ampliado e adaptado, em parceria com o prof. Dr. Eduardo Passos (UFF), para produção de um artigo científico com vistas à publicação)



2 comentários:

Unknown disse...

Que texto lindo!!
Amei seu blog!!!
bjs
Williana

Sandro Rodrigues disse...

Que legal, Williana!!!

Beijos e vinhos